Turquia enfrenta período instável

Após referendo, líder turco tem poderes ampliados

Por Giovana Meneguin

Imagem via AFP

Em 16 de abril a Turquia votou “sim” para o referendo constitucional de Recept Tayyip Erdogan. As mudanças na Constituição, propostas pelo referendo, incluem o desaparecimento do posto de primeiro-ministro, fazendo com que fique ao cargo do presidente nomear ou afastar membros do corpo judicial do governo.  O presidente também passa a poder promulgar leis por decreto ou dissolver o Parlamento. Além disso, o Parlamento não fiscaliza mais os ministros e exerce pouca influência em caso de destituição do chefe de Estado, por exemplo.

Consequentemente, o papel do Parlamento turco passa a ser mínimo. Por fim, o presidente passa a ser chefe de Estado e de governo, acumulando, assim, muito mais poder. De acordo com o jornalista turco Abdullah Bozkurt, exilado na Suécia, o referendo representa um retrocesso para a Turquia. “Ele reverteu quase toda a conquista que o país obteve em seu âmbito político e social, além de dar um grande golpe às conquistas econômicas”, ele afirma. O jornalista também completa dizendo que “a Turquia tornou-se um Estado autocrático governado por um ditador”.

Bozkurt

Bozkurt deixou seu país para fugir da prisão. (Foto: arquivo pessoal)

Erdogan foi eleito primeiro-ministro da Turquia pela primeira vez em 2002 e, a partir de então, reelegeu-se ao cargo diversas vezes. Mas, apenas em 2014, que ele assumiu a presidência do país. Na Turquia pré-referendo, a figura do presidente possuía muito menos poder.

“A Turquia tornou-se um Estado autocrático governado por um ditador”. Abdullah Bozkurt

Segundo o Setor Cultural da Embaixada Brasileira em Istambul, os resultados oficiais do referendo “mostram que o partido governista obteve maior apoio no interior do país”. Vale apontar também que, em países da Europa, onde há muitos residentes de origem turca, “a vitória do Presidente Erdogan se deu por margem maior do que na Turquia”, como comenta o Setor Cultural.

Os grandes favoráveis às alterações, o AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento, de Erdogan) e o MHP (Partido do Movimento Nacionalista, extrema-direita) afirmam que agora o país passará a ter uma maior estabilidade política. Entretanto, para a oposição de Erdogan, a Turquia perdeu o chamado checks and balances, ou seja, o equilíbrio e controle entre os poderes do Estado.

Segregação no país

O líder divide o país. A maioria da população turca, islâmica, apoia Recept Erdogan, visto que o presidente trouxe de volta à Turquia os valores do islamismo. Tais valores foram evitados durante a chamada ocidentalização do país, que teve início após a Primeira Guerra Mundial, quando a Turquia foi proclamada uma República. A oposição de Erdogan é representada, principalmente, por conservadores moderados, grupos de esquerda, Curdos, Alevis (grupo muçulmano heterodoxo e progressista, representa 20% dos habitantes turcos) e pelo Movimento Gulen (movimento civil islâmico que prega a liberdade de pensamento e a coexistência pacífica de culturas e religiões).

Recept Erdogan lida com sua oposição de forma bastante repressiva. De acordo com Bozkurt, aos grupos de oposição política são oferecidas “vantagens e posições políticas, dinheiro e poder no governo”. Caso essas estratégias não surtam efeito, membros chaves dos grupos são presos. Já movimentos não políticos, sofrem com abuso de poder.  Bozkurt considera o Gulen um grande exemplo. “O grupo pacifista foi declarado terrorista, mesmo nunca tendo sido associado com nenhum ataque terrorista nos últimos 40 anos, desde que nasceu”, ele explica. Diversas instituições do Gulen foram fechadas nos últimos anos, como escolas, funções e organizações de mídia.

Atualmente, 237 jornalistas estão presos na Turquia. Empresas de mídia são, direta ou indiretamente, controladas pelo atual presidente e seus associados. Dessa forma, não há veículos de imprensa críticos e que apurem fatos e fiscalizem o governo, bem como não há uma mídia independente na Turquia. Em meio a esse cenário, em 2016, Bozkurt deixou seu país, quando o governo passou a fazer vista grossa em profissionais da comunicação. Neste período, a empresa de notícias em que ele trabalhava, Muhabir, foi fechada e seu escritório invadido pela polícia.

A Constituição turca, em vigor atualmente, foi adotada em 1982. Muitas das 18 emendas constitucionais propostas passam a valer somente a partir de 2019, após as eleições parlamentares.

Brasil e Turquia através do tempo

As relações diplomáticas entre os países tiveram início em 1858, quando o Brasil e o então Império Turco-Otomano assinaram o Tratado Bilateral de Amizade e Comércio. De acordo com o Setor Cultural da Embaixada Brasileira em Istambul, “a relação bilateral dos países é muito boa, e ambos compartilham objetivos em diversos foros multilaterais”. Tanto o Brasil quanto a Turquia defendem o fortalecimento de instituições multilaterais como a ONU, o FMI e o G-20 econômico. Os países também demonstram interesse no diálogo franco e construtivo sobre as grandes questões mundiais, como segurança, comércio e cooperação para o desenvolvimento. Além disso, no campo econômico, as relações entre o Brasil e a Turquia também cresceram na última década. Entre 2011 e 2012, o comércio bilateral cresceu 900%, alcançando US$ 2,1 bilhões.

O Setor Cultural também ressalta que o laço entre Brasil e Turquia se estreitaram durante a primeira década do século XXI. Dentre os motivos que levaram à aproximação, está o apoio da Turquia em meio à evacuação de brasileiros no Líbano, em 2006. Além disso, em 2009, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizou a primeira visita de um Chefe de Estado brasileiro à Turquia. Durante a visita, negociou-se a Declaração de Teerã, documento assinado em 2010 por Brasil, Turquia e Irã afim de contribuir com a resolução do dossiê nuclear iraniano. Em 2010, o então primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan visitou o Brasil e firmou o Plano de Ação para a Parceria Estratégica. Segundo o Setor Cultural, o documento cria “uma moldura para o aprofundamento do diálogo e da cooperação em campos como política internacional, agricultura, ciência e tecnologia, comércio exterior e energia”.

Imagem1.png

Standard

Deixe um comentário