Pelo direito de decidir
Espanhóis repercutem o referendo catalão, que ocorre hoje
Por Marcela Gasperini e Marina Xavier
Apesar da forte controvérsia do governo espanhol, uma nova página da histórica luta do território Catalão para conseguir sua independência frente à Espanha está a prestes a ocorrer. Marcado para este domingo, um novo referendo na região da Catalunha quer analisar a vontade dos cidadãos sobre a criação de um Estado independente.
De acordo com o professor da Universidade Pompeu Fabra, localizada em Barcelona, Ferran Requejo, o governo espanhol tem se oposto frontalmente a autorizar a realização do referendo proposto pelo governo e parlamento catalão. Porém, Requejo também afirma que o governo catalão sustenta que continuará com a organização do referendo. “A legitimidade de sua posição baseia-se em ter obtido a maioria absoluta nas eleições do Parlamento da Catalunha, 72 deputados a favor entre 135”.
Responsável por quase um quinto do produto interno da Espanha, a região Catalã é situada a noroeste do país e que atualmente abriga 7,5 milhões de habitantes, nunca foi um país independente, mas detém há muito um governo próprio, conhecido como Generalitat. A região fazia parte do reino de Aragão, que após a unificação com Castela, em 1942, deu origem a Espanha atual.
Com uma língua própria e culturalmente independente do restante do país, apesar da obrigatoriedade do idioma espanhol nas escolas, o catalão pode ser considerado a língua oficial da região, uma vez que é falado pela maioria da população. Também possuem a bandeira própria da Catalunha, dispensando de vez o patriotismo espanhol.
São essas evidentes diferenças que fizeram com que o sentimento nacionalista crescesse ao longo do século XIX e chegasse ao auge no atual século XX. Apesar de nunca ter sido uma região independente, durante os anos 30, o território catalão conseguiu certa autonomia política e governava seu espaço de acordo com as próprias regras internas.
Em 1936, data próxima à mundialmente conhecida Guerra Civil Espanhola, o general Francisco Franco toma o poder e instala a ditadura que reprimiu severamente o território da capital Barcelona. O poder agora era totalmente centrado em Madrid e o idioma local fora proibido. Foi apenas com sua morte, após 40 anos de governo, que se restaurou a democracia, e de imediato começaram-se os problemas da requisitada autonomia Catalã.
Enquanto 57,2% dos catalães a favor da separação segundo o site La Vaguardia, do jornal catalão do mesmo nome, o plebiscito anterior, realizado em 2014, mostrou que 80% da população apoiava a medida separatista. É o caso da professora e educadora social catalã, Sandra Roig Montane, 36, que se diz a favor da medida devido à repressão que a Catalunha teria sofrido pelo governo federal da Espanha. “Por toda a repressão, opressão e por ter um governo de direita, o qual castiga a Catalunha e não respeita a sua autonomia, singularidade e direitos”.
Quando perguntada sobre as recentes manifestações que ocorreram em apoio ao referendo ela enfatiza: “As manifestações que nós catalães fazemos são reivindicações do nosso direito a decidir, e é por isso que todo 11 de setembro (Dia Nacional da Catalunha), as pessoas saem às ruas para reivindicar os seus direitos de liberar-se da Espanha, e poder exercitar o seu direito ao voto e decidir também o seu futuro como país”.
Para o designer gráfico catalão Andreu Roig Montane, de 41 anos, a economia tem grande influência em sua luta pela independência da Catalunha. “Creio que a riqueza deve ficar onde é gerada. Os impostos que pagamos aqui devem ser utilizados em prol da Catalunha e não de toda a Espanha”. Montane defende que o referendo do próximo domingo aconteça pelo direito que os cidadãos têm de escolher seu futuro, mas teme ser impedido de votar.
Apesar da maioria esmagadora que compartilham do ideal de Sandra e Andreu, inclusive muitos jovens e estudantes, há aqueles que acreditam no retrocesso que a eventual separação traria para a Espanha, uma vez que perderia seu principal polo turístico e industrial, como também para a própria Catalunha, que não mais participaria do bloco da União Européia, cuja opinião é contrária à medida atualmente.
A professora de espanhol, Rosana Rosell Prieto, de 53 anos, nascida em Madrid, é contra a separação Catalã. Para ela, apesar de ser a região mais rica do país, a Catalunha, tornando-se independente teria que negociar com a União Europeia, algo não viável em sua opinião. “Além de fazer a Espanha perder muita riqueza, a independência da Catalunha traria instabilidade para outras regiões que também gostariam de ser independentes, como Valência e Galícia”.
Entretanto, apesar da Comissão Europeia declarar que respeita a ordem constitucional da Espanha, a região autônoma é a mais rica do país, com um PIB (Produto Interno Bruto) de mais de 200 bilhões de euros. Caso a separação ocorra, Espanha e Catalunha precisarão encontrar um meio de coexistir, e os altos índices econômicos da região poderiam facilitar uma futura adesão à União Europeia.
Por ser uma questão antiga, o sentimento da separação Catalã já passou por mais de uma geração, mas para Sandra, nem por isso as gerações pensam diferentes umas das outras. “Eu acho que é um sentimento social que não se prende em gerações. Nós temos uma identidade e uma luta muito antiga pela Liberdade e contra a opressão”. Já para Montane, pode haver uma diferença entre os pensamentos: “os mais velhos viveram, em sua maioria, a ditadura de Franco e estão convencidos da necessidade da independência, já entre os mais jovens, essa opinião é, muitas vezes, mais dividida”.
Para quem olha de fora, se um dia vier realmente a ocorrer a independência da Catalunha, o que vai acontecer depois disso é uma incógnita. Mas para eles, não. Andreu sabe muito bem como vai ser sua vida quando morar em um país independente conquistado pelo povo. “Eu e minha família vamos ter uma melhor qualidade de vida em infraestrutura e sanidade, já que tudo será revertido para o nosso próprio bem estar”.
A educadora Sandra não sabe muito bem como será uma Catalunha independente, mas tem certeza de que haverá um consenso entre população e governadores para fazer o melhor. “Os políticos estão cooperando com os cidadãos em assembleias para decidir o futuro do nosso país. É importante fazer um processo de independência democrático, popular e participativo”.
O professor Requejo explica um pouco melhor o que aconteceria se de fato a Catalunha se separasse da Espanha: “em caso de independência, a Catalunha se tornaria após, ao que tudo parece, um breve estágio de transição, um Estado economicamente solvente e politicamente estável”. Requejo também pontua as consequências que esse processo traria ao território espanhol: “A Espanha é dependente do poder econômico da Catalunha e, especialmente suas regiões mais subsidiadas (sul da Espanha) notariam um prejuízo muito claro, uma situação que as instituições catalãs já ofereceram para negociar”.
Independentemente das consequências que o separatismo catalão traz a toda sociedade espanhola, esse é um desejo muito objetivo e fortemente vivido nos dia a dia dos cidadãos locais. Qualquer pessoa, porém, que visite alguma região pertencente à Catalunha percebe esse anseio nos primeiros contatos com as pessoas ou com as ruas repletas de bandeiras e faixas suplicando pela independência.
Clauci Gasperini tem 42 anos, é brasileira, vive em Barcelona há 12 anos, é casada com um catalão e tem dois filhos catalães. Ela conta sua experiência como estrangeira nessa região tão forte culturalmente. “Desde o primeiro momento nesta cidade, conheci a história de sua cultura, suas necessidades e desejos. O povo catalão é muito trabalhador, educado e pacífico. Em princípio podem parecer distantes e pouco amigáveis, mas tudo vem abaixo quando você realmente faz parte de sua vida”. Para Clauci, a independência da Catalunha é importante simples e puramente pelos direitos de sua população. “Acredito que esses cidadãos, aos quais me incluo nos dias de hoje, deveriam simplesmente ter o direito de poder decidir o melhor para o futuro de sua gente”.
Análise
Por quê a Catalunha quer se tornar independente?
Por Beatriz Rubio, Maria Fernanda Mantovani e Priscila Cavallaro
A Catalunha, com um pouco mais de 32 mil km², possui cerca de 7,5 milhão de habitantes. Seu presidente atual é Carlos Carlos Puigdemont, do Partido Democrático Europeu Catalão (PDeCAT), que junto com o parlamento, que conta com uma maioria esmagadora, apoia o movimento separatista.
Os catalães querem a independência para que exista uma chance de reforçarem e fortalecerem sua identidade, sua economia, sua cultura e seu idioma, já que eles possuem o seu próprio.
Além disso, a região contribui com boa parte da arrecadação financeira espanhola, por isso acreditam que a economia após a separação possa ser positiva.
Com essa possível separação, os catalães pretendem prosperar como Estado e administrar sua identidade cultural própria, pois alegam não se identificar com a cultura espanhola.
Apesar desse despreparo, a vigilância local foi intensificada apenas em locais propensos à lotação tanto por moradores locais quanto por turistas. “As grandes áreas comerciais continuam com a polícia privada contratada, e a polícia local e regional patrulha nos centros e nas proximidades de qualquer anomalia ou pessoas suspeitas. A vida cidadã corre sem alteração”, relata o ex policial.
Não apenas o policiamento intenso em possíveis áreas de risco mostrou o quanto a cidade estava de certa forma preparada para um pós atentado, os turistas que foram vítimas do ataque receberam assistência médica e psicológica, além da ajuda de tradutores para auxiliar na comunicação com os médicos da região. As autoridades fizeram contato permanente tanto com as vítimas, quanto com suas famílias residentes em seus países de origem e seus devidos consulados.
“Uma vez que o perigo é passado, o comportamento normal é observado nas pessoas, e é digno notar que a cidadania se manifestou várias vezes em favor da polícia pelo sucesso de intervenções e da ajuda prestada às vítimas, já que tudo isso foi feito sem hesitação e com rapidez no momento exigido”, justificou Manuel ao dizer o quanto Barcelona foi solidária com os turistas que estavam presentes na data do atentado.
O chefe do governo espanhol, Mariano Rajoy, pediu “cuidado e mimo” aos turistas que visitam o país após o atentado. Segundo o jornal espanhol “El País”, o turismo vinha sendo ameaçado por grupos extremistas radicais na região da Catalunha, que já protestam desde julho contra o turismo em massa. Manifestantes garantem, em cartazes, que a luta de classes e pela independência da Catalunha são mais importantes do que se preparar para receber os turistas em massa novamente.
Mauro Van Erven, 37 anos, trabalha em um hostel em Barcelona há 12 anos. Ele conta que após o atentado, os turistas hospedados no local voltaram correndo. “O clima ficou pesado, o metrô e comércio fechados, tudo cercado. Mas as autoridades agiram rápido e hoje está tudo sob controle”, garante Mauro, natural de São José do Rio Preto.
O brasileiro explica que a avenida La Rambla é um ponto muito movimentado e repleto de estrangeiros em agosto, por ser época de férias na Espanha. “Ele (terrorista) foi no ponto onde tinha mais gente nesta época”, diz Mauro, que afirma que atualmente o turismo na região voltou ao normal, se não ainda mais intenso, bem como o comércio.
De acordo com o dono do hostel, o comércio reabriu no dia seguinte ao atentado, sexta feira. Turistas e moradores voltaram ao calçadão turístico da avenida e dezenas de policiais patrulhavam a região da Praça da Catalunha mas a circulação de veículos permanecia interditada. Mauro lembra que os portões do famoso mercado turístico La Boquería continuavam trancados e só abriram suas portas novamente três dias depois.
Quanto ao turismo, o aeroporto de Barcelona, El Prat, registrou 4.943.928 passageiros no mês de agosto, 5,2% a mais que no mesmo mês do ano passado, apesar do ataque terrorista do dia 17. Desses, a maioria é de países não pertencentes à União Europeia. As rotas para a União Europeia foram as que mais cresceram no último ano, 10,7% e os movimentos nacionais aumentaram 3.8%. De acordo com o jornal catalão La Vanguardia, o transporte de mercadoria também teve um aumento de 31% em relação ao mesmo mês do ano anterior, bem como todos os aeroportos da Espanha, que tiveram aumento significativo de passageiros de agosto para setembro.
Ou seja, o ataque terrorista praticamente não trouxe consequências para o turismo e o comércio da região, que são grande parte dos pilares econômicos da cidade, que mesmo não preparada para acontecimentos desse trágicos nível, soube enfrentar a situação de cabeça erguida, proporcionando a seus habitantes toda a segurança e apoio necessários. O turismo espanhol continua atingindo grandes números e independente da situação de risco que ocorreu, o comércio e a economia de Barcelona continuam estáveis.
El piromusical de la Mercè é o encerramento da maior festa de Barcelona. Em um show emocionante de fogo, água e música, a edição do dia 25 de setembro homenageou as vítimas do ataque a La Rambla. Um minuto e de silêncio e a música Imagine, de John Lennon foram a trilha sonora escolhida para a homenagem.
Turismofobia em Barcelona
Moradores locais são os mais afetados pelo problema
Por Henrique Toth e Vinicius Enrique, São Paulo
Uma forte onda de protestos contra o turismo atinge muitas partes da Europa, mas a Espanha é o país que mais sofre com esse aspecto. A cidade de Barcelona, atração para milhares de estrangeiros, vem sendo o foco principal da chamada “Turismofobia”.
Grupos separatistas de esquerda argumentam que há uma forte saturação turística na Espanha, principalmente na cidade catalã. O governo explica que o turismo é extremamente importante para a economia do país. O grande problema é que essas manifestações parecem proliferar em outras partes da Espanha. Veja na matéria a seguir o porquê desses protestos estarem acontecendo na região, qual a posição do governo, e o que pensam os brasileiros que vivem no país.
Parece estranho ler que um país está recebendo protestos por conta do excesso de turistas. No Brasil, por exemplo, o aumento de estrangeiros vindo para cá por lazer é comemorado por todos, desde o comerciante na rua até o presidente. Em determinados lugares da Espanha, porém, é diferente. E existem diversos motivos para isso.
Em cidades como Ibiza, Barcelona, Palma de Mallorca e outras localizadas no arquipélago balear, o modelo de turismo parece começar a ficar insustentável. O motivo para isso é que a enorme quantidade de pessoas que chegam todo verão começa a elevar o preço de tudo, diminuir a qualidade de vida e afastar os moradores nativos da região.
Mas porque os turistas expulsam os nativos? Quanto mais eles chegam, mais os preços do mercado e de moradia vão aumentando. Ou seja, um apartamento alugado que antes custava 100 euros pode estar valendo agora 500, sendo que nada mudou nele. É o que conta Ricardo Carisio, brasileiro que mora em Barcelona desde 2005..
“Os moradores – aqui se diz vizinhos – dos bairros centrais, sobretudo onde estão localizadas atrações turísticas, estão, ‘a poic i poic’ (pouco a pouco) sendo obrigados a deixar os apartamentos onde vivem porque os proprietários aumentam os preços dos aluguéis. Habilitam o ‘piso’ e alugam através de plataformas virtuais de baixo custo. Estes bairros passam a ser da moda. Não só em Barcelona está passando, em outros países da Europa”, comenta Ricardo.
Além desta questão econômica, existe também a cultural, dos costumes. A grande quantidade de turistas também muda o dia a dia da população nativa, que não era acostumada com festas, baladas e sujeira na rua. Há também a questão da infraestrutura, que é paga totalmente pelos moradores. Elas, porém, ficam paralisadas por conta dos estrangeiros.
Todos esses fatores instigaram os moradores a questionarem governo. Afinal, quem está ganhando com esse sucesso turístico? Para onde vão todos os benefícios que vem disso? O que a população ganha com isso? Essas são questões que começaram a aumentar cada vez mais, e estão sendo feitas por um número ainda maior de cidadãos.
Cada vez que o turismo aumenta, a renda e o salário dessas regiões vão diminuindo. Esses locais da Espanha tendem a ir para um caminho onde as infraestruturas dos serviços públicos, como saúde, limpeza das ruas, tráfego ficaram insustentáveis.
Mesmo sofrendo muitas represálias, a vinda de estrangeiros segue sendo fundamental para os cofres espanhóis. O turismo corresponde à cerca de 11% do PIB do país europeu.
Em 2016, a Espanha teve seu recorde de visitantes internacionais. Mais de 75 milhões de pessoas foram ao país conhecer as atrações turísticas que a região oferece. Um acréscimo de 9,9% em relação ao ano anterior. O grande ponto de concentração do turismo segue sendo Barcelona. Estima-se que 30 milhões de estrangeiros se dirigiram à capital da Catalunha.
Com essa forte onda do turismo em Barcelona, grupos separatistas protestam, frequentemente, contra a vinda de estrangeiros para a Catalunha. Carisio conta que tanto a juventude esquerdista como a burguesia se sentem atingidos com esse problema que afeta a cidade espanhola. “No caso específico de Barcelona, também o novo nacionalismo catalão independista, seja a velha burguesia católica ou a nova esquerda republicana radical, sentem-se incomodados e invadidos. ”
O governo espanhol se mostra totalmente contrário a essas manifestações que ocorrem no país. Na visão dos governantes, o turismo contribui para o aumento de empregados na Espanha. Cerca de 2,5 milhões de espanhóis conseguem um trabalho dentro do setor turístico, principalmente no verão – mas com condições ruins, como moradia cara e pouca estrutura. E, ainda argumentam, que há uma forte contribuição para o setor de exportação do país.
Na contramão do governo espanhol, a prefeita da cidade de Barcelona, Ada Colau, ordenou o congelamento das licenças de construções de hotéis e apartamentos no período de férias. Além disso, declarou guerra contra o aluguel ilegal de apartamentos por meio da internet. O site de aluguel de curto prazo, AirBnb, sofreu uma multa de cerca de 30 mil euros (cerca de R$110 mil). Vale dizer que a gigante empresa californiana lucra duas vezes mais que uma empresa convencional, mas não é fiscalizada pelo Fisco.
Com esse fenômeno de aluguéis caros nas grandes cidades, os nativos acabam fugindo dos grandes centros e indo para lugares mais afastados da multidão, a periferia. É o que relata Alysson Maia, brasileiro que vive em Sevilha. “O centro e bairros históricos estão sendo tomados por apartamentos turísticos, expulsando a população para lugares mais afastados e inflacionando os preços dos aluguéis. Isso está acontecendo em várias cidades turísticas, tendo Sevilla como exemplo”, analisa.
A turismofobia parece espalhar não só dentro da Espanha, mas em outros lugares do continente europeu. Pegando como exemplo as manifestações dos espanhóis, os italianos, em Veneza, já demonstraram insatisfação com a vinda de milhares de viajantes para a cidade italiana. A intolerância parece só aumentar e, com isso, o problema se agrava cada vez mais.
A vida depois de um atentado
Após ataque terrorista, a população de Barcelona tenta voltar à rotina
Por Larissa Andreoli e Vanessa Piovezan
No dia 17 de agosto, um homem que dirigia uma van branca, avançou para cima de pedestres e atropelou mais de 100 pessoas em La Rampla, Barcelona. O veículo percorreu cerca de 600 metros atingindo as vítimas. Pelo menos 13 pessoas morreram e 130 ficaram feridas. Horas depois houve também um atropelamento em Cambrils, que matou uma espanhola. Foram apreendidos quatro suspeitos, entre eles, três marroquinos e um espanhol. O Estado Islâmico reivindicou a autoria dos ataques. Esse atentado foi o sexto no ano em que os terroristas usaram atropelamento para atacar.
Segundo dados do jornal O Globo, desde 1970, os tipos de ataque têm sido cada vez mais variados. O mais comum é a detonação de bombas, que contabilizam 48% dos atentados, seguidos por assaltos armados (24%), assassinatos (14%) e sequestros (10%). As ações terroristas já fizeram mais 140 mil vítimas no mundo todo.
PROTESTOS
Após atentados como esse, a população reage de maneiras diversas. No caso de Barcelona, ocorreu um protesto no dia seguinte, dia 18 de agosto. Os apoiadores da extrema direita culpam os imigrantes pelo atentado e durante a manifestação erguiam cartazes com as frases “Defender a Espanha e a Europa de culturas totalmente alheias à nossa pátria e identidade” e “Parem a islamização da Europa”. Eram em torno de 30 pessoas. Sabendo dessa movimentação, protestantes antifascistas se mobilizaram para fazer uma passeata no mesmo horário e local. A intenção era mostrar que as pessoas contra imigrantes era minoria. Os manifestantes pediam a dissociação entre terrorismo e islamismo. Não houve registros de feridos, mas a tensão e a propagação dessas ideias continuam.
Os encontros para protestar são marcados por meio do Facebook. A página da organização La Falange, de extrema direita, possui mais de 12 mil seguidores e é um site extremamente ativo. “É hora dos patriotas, é hora de defender a Espanha contra aqueles que querem quebrar” é a frase que estampa a descrição da chamada para a próxima manifestação, que ocorrerá no dia um de outubro, cerca de 2 km de onde ocorreu o atentado, na famosa estátua de Rafael Casanova. Além dessa, existem várias outras páginas apoiadoras da extrema direita na rede social em que os seguidores falam abertamente sobre o orgulho de ser patriota militante e como isso é importante para salvar a cidade.
Os grupos antifascistas também são bem significativos na internet e nas ruas. Eles organizam protestos e divulgam material de empatia e cumplicidade com os estrangeiros. A moradora de Barcelona e antifascista, Carmen del Riego, diz que não entende o ódio gratuito. Afinal, Barcelona é vista como uma cidade multicultural e que recebe diariamente novos estrangeiros que visam estudar ou melhorar as condições de vida. Segundo levantamento de dados do Governo catalão de 2015, só de brasileiros eram 5.455 residentes legais na cidade. “É um grupo pequeno de pessoas que cometem atos terroristas, não são todos os muçulmanos e não faz sentido acusá-los”, ela finaliza.
Os dois grupos sempre existiram, porém após o ataque terrorista, ganharam mais voz e adeptos. “Eles têm o total direito de manifestar e exporem suas opiniões, isso é a liberdade de expressão. Porém o foco agora, do governo e da população, deveria ser apenas se recuperar e não acusar”, argumenta o Dr. Tom Smith, palestrante de relações internacionais com especialidade em terrorismo.
CONSEQUÊNCIAS ECONÔMICAS
Além de protestos, traumas e mudanças após um ataque terrorista fazem parte da vida não só dos espanhóis, mas de toda a população mundial que já sofreu com isso. Após acontecimentos como o de Barcelona, normalmente a primeira medida é aumentar o policiamento e a segurança da cidade.
Segundo Caio Testa, morador de Barcelona, o clima ainda é de medo, mesmo tendo se passado um mês dos acidentes. “As pessoas estão tentando voltar às suas vidas normais, mas é nítido que estão todos assustados. Ninguém esperava por algo desse tipo”, explica Caio. Ele contou ainda que o policiamento nos pontos turísticos aumentou, assim como os procedimentos de segurança. O país não sofria um ataque terrorista desde 2004, quando militantes islâmicos estouraram bombas em vagões de um metrô em Madri.
Uma das principais consequências de um ataque desse é econômico. Isso acontece porque, o turismo cai drasticamente. As cidades que já sofreram ataques terroristas ao redor do mundo comprovam isso. Um exemplo disso é Paris. Em 2015, a cidade francesa sofreu ataques contra o jornal “Charlie Hebdo” e um supermercado judeu, em janeiro. Mais tarde, no mesmo ano, uma casa de shows chamada Bataclan também foi atacada. O efeito no turismo foi praticamente instantâneo. Segundo o indicador RevPar, que mede a performance financeira de hotéis, o setor registrou uma queda de 19,6% no faturamento. A França liderava o ranking mundial da Organização Mundial de Turismo com garnde condorto, até que se viu perdendo visitantes após essas ondas de ataques terem acontecido. Em 2016, a atratividade do país caiu 2,2 %.
Além do setor hoteleiro, também sofrem todos os aspectos comerciais da cidade. Pontos turísticos, teatros, museus e lojas perdem seu público e, consequentemente, caem de rendimento. A Espanha teve 10,3% de crescimento no número de turistas em 2016, chegando ao ponto de nativos fazerem protestos contra a quantidade excessiva de visitantes. O atentado que aconteceu em agosto prejudicará o país, principalemnte Barcelona, nesse setor. As pessoas tendem a evitar locais com histórico de atentados e lugares com muitas aglomerações.
Apesar de esforços, a recuperação dessa situação é difícil Segundo informações do O Globo, a previsão é de quatro a seis meses. A professora de ciência política da Universidade Webster, Burcu Pinar Alakoc, conta que o abalo econômico é frequente em países que sofrem atentados terroristas. “As dificuldades na economia são resultados, em grande parte, das decisões tomadas pelas autoridades após os ataques.” explica a especialista.
“No tenim por!”*
Por Beatriz Rubio, Maria Fernanda Mantovani e Priscila Cavallaro
*“Não temos medo”; foi o que milhares de pessoas gritaram no centro de Barcelona após um minuto de silêncio em 17 de agosto, dia seguinte ao atentado na cidade, no qual uma van invadiu intencionalmente à La Rambla, uma das avenidas mais movimentadas no centro que liga a Praça da Catalunha ao Porto Velho, e que atrai muito turistas diariamente. O ataque deixou 13 mortos e 80 feridos. Testemunhas relataram que o acontecimento foi seguido de correria e pânico, além de um bloqueio quase total da cidade.
Segundo a imprensa espanhola, dois suspeitos foram presos e o outro suspeito morreu em uma troca de tiros. O motorista da van fugiu caminhando após o ataque e o veículo usado foi alugado em um município perto de Barcelona por um homem chamado Driss Oukabir.
Aos moradores da cidade, restou o sentimento de solidariedade e dor. Jordi Mor de 68 anos que vive em Barcelona desde sempre e estava em sua casa na sala de estar quando viu a primeira notícia sobre o assunto. Sua primeira reação foi de surpresa total a ponto de não conseguir raciocinar, seguido do sentimento de indignação. Jordi, diz que isso não poderia ter acontecido porque para ele Barcelona é e sempre foi uma “cidade de paz”.
Ao mesmo tempo, é interessante perceber o quanto os cidadãos possuem um sentimento de patriotismo muito grande. Jordi, citou o quanto se sentiu orgulhoso com as forças de segurança e com os médicos que atuaram no momento do atentado e afirma que essas coisas podem acontecer em qualquer lugar, anulando totalmente qualquer culpa do Estado: “Nosso país da Catalunha é pequeno, mas seguro. Na forma como hoje os terroristas agem, ninguém está seguro em qualquer lugar, mas aqui as pessoas são fortes”. O aposentado que, frequenta a La Rambla mais nos feriados, deixou bem claro que continuou a ir no lugar mesmo após o acontecido e que fez questão de não alterar nenhum de seus hábitos, assim como todos os catalães.
A cidade sempre foi um local repleto de turistas do mundo todo, um ambiente tranquilo para se viver, com uma ótima qualidade de vida. Esse cenário de confiança em sua pátria após o ataque não apaga a normalidade que é a população estar mais insegura e sentir falta de uma polícia local mais treinada para agir em momentos como esse. Manuel Martí, um ex policial de Barcelona de 77 anos, que agora está aposentado, conta que a cidade não esperava ser alvo de um atentado: “Em Barcelona, tivemos apenas um ataque terrorista de grande magnitude, o ETA que explodiu uma bomba em lojas de departamento da Hipercor há mais de três décadas. A polícia local não tem jurisdição sobre o terrorismo. É uma questão reservada às forças do Estado. A Espanha é um país que continua tão central quanto com os reis católicos…”, alfineta Manuel. Esses são apenas um dos motivos que cercam o interesse polêmico da Catalunha de se tornar um país independente da Espanha: criar uma república, ter uma administração e leis próprias, buscando cada vez mais melhorar a vida de todos, nesse caso, por exemplo em relação à segurança.